quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

* Enigma

Trago comigo uma tempestade,
Perco o controlo e deixo-a ir.

Sempre fui assim,
livre e só.
Tão livre que sou sempre feliz,
Tão só que me aprisiono.

Trago comigo um sonho e um pesadelo,
Perco-os algures cá dentro.

Sempre serei assim,
demasiado e simples.
Tão simpes que sou um mistério,
Tanto e tanto que sou transparente.

* do grego ainigmatikós, significa um 'jogo de espírito em que se propõe a decifração de uma coisa que é descrita em termos obscuros e/ou ambíguos' 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A peça

Nunca fui tão irónica como fui naquele preciso momento. O ar gélido levou-me a calar o coração quente, e pensei para mim: '(...) guarda as palavras para quando te apetecer com elas tocar piano, como antigamente  fazias, como era suposto fazeres o resto da tua vida (...)'.

Gostava de ser como tu, poder inventar uma caixa pequenina, talvez forrada com um tecido como o veludo, talvez azul ou púrpura... E lá dentro guardar tudo. Lá dentro e só lá dentro tu és. Eu devia ser assim. Afinal sou tão boa actriz como tu. E, no entanto, não é verdade. Não sou tão boa actriz: não me consigo enganar a mim própria.

As cortinas fecham-se. Aguarda-se o terceiro acto. A hibernação começa.


domingo, 8 de setembro de 2013

Nada




Podias ser tudo, ou então podias ser mais um nada da vida. Só que olhaste para mim e entraste num cantinho que tinha bem trancado.

Eu podia dar-te o calor ou então um sorriso. Só que olhaste para mim e entraste sem pedir permissão, e  eu mesmo assim dei-ta. 

Podias ter sido tudo. Mas és mais um nada da vida. Da minha vida.

domingo, 12 de maio de 2013

O Hércules foi à praia



Hoje foi dia de passeio. O destino era supostamente uma praia. E quando dei por mim estava a andar em fila seguindo um carreio estreito e sinuoso. Andámos e andámos e o guia - o meu pai - já nem tinha bem a certeza se por ali lá iríamos dar, já que o caminho que ele conhecia era demasiado íngreme para mim e para a minha mãe. 



Quando dei por mim o cão vinha em último lugar e, de vez em quando, parava e tentava descansar as suas patas traseiras com um ar no seu focinho de quem não quer continuar.


Finalmente chegámos a uma sombra! O cão descansa, admirado com a actividade física deste dia.


Parece uma miragem. Chegámos não a uma praia, mas sim a um paraíso.




Fotos e brincadeiras. Sol e areia. Refrescámos os pés, molhámos o cão. Rimos e no caminho de volta até nos atrevemos a fazer escalada em família. Um paraíso bem escondido que só descobri hoje. Um dia volto e descubro mais deste meu país de maravilhas.

domingo, 7 de abril de 2013

'You is kind, you is smart, you is important' *

Citação do livro As Serviçais de Kathryn Stockett

Todas os pais deviam dizer isto e muito mais aos seus filhos. Sabemos que mesmo que o façam isso não impede que a auto estima das crianças/adolescentes seja baixa e que possíveis problemas relacionados com isso não apareçam.

O pior é quando existe gente que acha que a aceitação dos 'defeitos' que a nossa sociedade tanto gosta que nos apontar - e aqui refiro-me principalmente aos falsos padrões de beleza com os quais todos nós, uns mais que outros, compactuamos e usamos para ferir os outros nunca tentativa desesperada de nos sentirmos melhor connosco próprios - significa apenas conformar-se e dizer a nós próprios que não somos o que éramos suposto ser. 

Para mim, a aceitação é um despertar de uma prisão feita por uma sociedade que nos trata como marionetas. Como defensora da liberdade que tento sempre ser, recuso-me a viver prisioneira desta pseudo sociedade. Não sou uma marioneta. Os meus pais, cada um à sua maneira ensinaram-me a ver-me, ver o que tenho de bom e de mau, lutar pela bondade que há em mim; ser inteligente e saber ver a inteligência nas suas mais diversas formas e perceber a importância que temos para nós e para os outros.

sábado, 6 de abril de 2013

Puzzle

Muitos falaram dela,
é uma senhora importante.

Para uns é tão fácil seduzi-la,
só para depois a matar sem nenhum remorso.

Para outros o namoro acontece na montra,
e depois de muito poupar, lá se compra uma peça.

E que complexo puzzle ela é!
E que falta faz a quem a deseja...

Muitos ainda falam dela,
diz-se por aí que agora a senhora está mais jovem e bonita.

A gaivota que tanto viu, tanto voou,
ela disse-me, ontem pela madrugada, um recado:
'cuidado rapariga, que há peças que não encaixam.'

Troquei sonhos, pesadelos e uns tostões,
esqueci códigos e substitui os alfabetos.

Lá trouxe da loja uma pequena preciosidade,
um bilhete de ida, uma mala só, um sorriso.

Liberdade, excelentíssima senhora,
brinquei consigo na escola,
sonhei consigo todas as noites, - e até às vezes acordada.

Liberdade, minha querida amiga,
talvez um dia.




domingo, 31 de março de 2013

Gatto Randagio*

Hoje quando cheguei a casa a primeira coisa que vi foi o meu gato a dormir no quintal. Via-se bem à distância, um gato amarelo peludo a dormir que nem leão adormecido. Aproximei-me do portão verde escuro e, enquanto me inclinei para abrir o portão espreitei por entre as brechas, sorri por notar que o gato ainda não tinha dado por mim. Três passos, três segundos passaram e um olho verde espreita. Assim que me vê desperta completamente e espreguiça-se com uma elegância felina que muitas pessoas gostariam de ter. Disse-lhe, então: 'Simba lindo!!' Ele respondeu com um miau atrevido e aproximou-se para que eu lhe pudesse dar colo. 

A vida é feita de contradições. Tudo à minha volta tem uma contradição, que às vezes grita para ser ouvida, outras vezes tenta passar despercebida. Quando estudava a língua portuguesa dentro de uma sala de aula - já que nunca paramos mesmo de a aprender - nunca gostava dos exercícios com sinónimos e antónimos. Podiam vocês perguntar: 'Então, mas isso não é fácil?'. Precisamente. É demasiado fácil dizer o que é contrário. E é demasiado limitativo dizer o que é sinónimo. 

Contudo, dou por mim a reparar nas contradições das pessoas à minha volta. A minha avó materna é e sempre foi uma pessoa extraordinariamente independente que não tem medo de pedir qualquer coisa a um estranho, e no entanto, é incapaz de pedir um abraço a quem a conhece bem. Aprendi a ver uma tristeza doce nos pensamentos (sonoros e outros) do meu pai, mas é com ele que dou as gargalhadas mais inesperadas. A minha mãe chora quando vê filmes, quando ouve um fado sobre um cavalo com um triste destino. Chora. E ponto final. Mas a minha mãe tem uma força corajosa muito materna que muitas mães desejariam ter.

Sou a pessoa mais contraditória que conheço. Também sou a pessoa que melhor conheço. Delicio-me a descobrir as minhas fendas, rio-me com os meus clichés e, sobretudo, canso-me por causa das minhas imperfeições. Construí um muro alto que já ameaçou ruir, mas nunca caiu. Sou romântica, leio histórias de amor, vejo os clássicos e desejo viver a preto e branco. Mas vivo sozinha comigo, nunca preciso de ninguém e todos os dias alguém me faz falta. Sou incapaz de conceber a vida sem liberdade, só que ser livre, muitas vezes, é ser se solitário. E é aí que invejo as aclamadas personagens da Audrey Hepburn. É aí que escrevo poesia. É aí que ouço cantigas de amor. E depois farto-me de querer lamechices e corro. Corro a sete pés. Mergulho bem fundo e abano a barbatana sem olhar para trás. Afinal sou tal e qual o meu gato.

O meu Simba já é velhote. É um gatto randagio com o seu pêlo selvagem, mas basta olhar-lhe nos olhos, quando está aninhado no meu colo, para perceber que é um amigo precioso. O meu gato é uma contradição, tem o melhor dos dois mundos: a liberdade e o amor incondicional de quem ele próprio escolheu. 

* Gatto randagio significa na língua italiana gato vadio